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[JUVENTUDE] Direitos Humanos Para Humanos Direitos Virgula

Direitos Humanos Para Humanos Direitos Virgula
Por Neyl Santos*


Meus pais sempre me ensinaram a respeitar os outros. Na escola, na Igreja nos grupos de amigos e em outros espaços que tive o privilegio de conviver aprendi que somos todos iguais e filhos de Deus, que qualquer tipo de humilhação é digna de repudio, os comunistas que por muito tempo tiveram a fama de comer criancinhas me ensinaram a frase de Ernesto Guevara que diz que “Se você é capaz de tremer de indignação sempre que se comete uma injustiça contra qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, então somos companheiros”.

Mais tarde na faculdade aprendi que a igualdade não é só perante Deus, mas também perante a lei. Estudando a História do Direito aprendi que as pessoas teriam dedicado parte de suas liberdades ao Estado em troca da garantia da segurança, sendo o Estado por consequência o detentor do monopólio da resolução dos conflitos entre as pessoas. Uma vez quebrado esse monopólio a tão alardeada justiça estaria comprometida, os princípios sagrados como a “ampla defesa”, “contraditório”, “presunção da inocência” ameaçados e a sociedade, beirando o caos.

Bem é sabido que as estruturas judiciais em nosso país estão em colapso. O volume de processos na “Justiça” é exorbitante, digna de uma sociedade de relações cada vez mais complexas e mais conflituosas, nosso aparato processual arcaico, burocratizado em excesso, e com deficit de pessoal. Li em algum lugar que apenas 5% dos casos de homicídio no Brasil são solucionados. Se esse dado for verdadeiro, explica que em pesquisa realizada pela OAB em 2003, 41% dos 1.700 entrevistados desacreditam na Justiça. O fato porém é que esse descredito não pode se traduzir na lei do talião ou em outros casos mais graves de “justiça com as próprias mãos”, pelo bem de nossa democracia. Permitam-me abrir parenteses de nosso tema central para trazer um dado sobre democracia. Em relatório denominado “A democracia na América Latina” o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento entrevistou 19 mil pessoas de dezoito países da América Latina e 56,3% da população acredita que o desenvolvimento econômico é mais importante que a democracia.

Voltando a nossa temática, talvez pela consciência coletiva da ineficiência do Judiciário, aliada a ideais de classe disseminados diariamente nos aparelhos midiáticos (que presta um desserviço à sociedade ao incentivar a violência e usar do sensacionalismo para obter lucros) é crescente em nosso país a adesão à ideias radicais e reacionárias. Frases como “Bandido bom é bandido morto”, “Direitos humanos para humanos direitos” e tantas outras são usadas num discurso vazio e desqualificado, muitas vezes carregado de paixão e sem nenhuma preocupação à resolução real de nossos problemas enquanto nação.

Exigi-se do Estado penas cada dia mais severas e duras, deixando-se de lado o principio da proporcionalidade da pena, e se o Estado não fizer, então façamos nós! Linchamentos, torturas, assassinatos praticados diariamente por “homens e mulheres de bem” em nome da segurança publica e da “pedagogia do pau”, uma tolice onde se acredita que com medo de penas duras o sujeito irá ponderá o custo-beneficio antes de cometer uma infração.

É nessa ideia que se baseiam também os defensores das agressões de pais aos filhos, não se refletindo sobre a cultura da violência que estão ajudando a se perpetuar, e que na nossa avaliação é a raiz de todos os problemas.

Porém, todos os argumentos usados para justificar tais medidas são vazios de sentido e se bem analisados chegam a ser contraditórios entre si. Se não vejamos: Critica-se que “a policia prende e amanhã o ‘bandido’ já está solto” e não se critica o fato do Brasil ter a 4ª maior população carcerária do mundo sem que seu sistema comporte tal lotação. Passa longe ao senso comum dados que para nós são relevantes como o fato de aproximadamente 230 mil brasileiros estarem presos sem o devido julgamento, antecipando a pena que muitos não terão, a julgar pelo fato de que muitos serão inocentados seja pela inocência de fato, quanto pela falta de provas ou irregularidades no processo e pelas estimativas de que cerca de 25% desses indivíduos serão condenados a penas alternativas a prisão.

Usa-se os índices de 70 a 85% de reincidência para atestar a falência do sistema, mas não seria a ineficiência do sistema a responsável pelas altas taxas de reincidência? Critica-se o papel ressocializador da pena dado ao aparelho jurídico brasileiro com base em quê, se ele nunca funcionou de fato no Brasil? Como pode-se criticar o fato do Estado gastar em média R$ 1.100/mês por preso e também criticar as penas alternativas que custam no máximo R$ 45/mês ignorando que as taxas de reincidência dos que cumprem penas alternativas variam de 2 a 12%?

O tema é complexo e impossível de ser tratado num texto motivado pela revolta de um jovem cristão estudante estudante de direito ao ver um vídeo onde um jovem preto e pobre é agredido e humilhado supostamente por policiais militares apenas por ter uma tatuagem no corpo (não me interessa saber o significado de tal tatuagem, se não foi encontrado nada com ele, não há crime, e mesmo que o fosse o pior bandido do mundo, não poderia ser humilhado pelo Estado personalizado naqueles policias)






Tenho certeza que essas ideias de um caráter de classe, ou se acha que a pena de morte vai matar o filho de Eike Batista? Ou se pensa que a redução da maioridade penal vai atingir o filho do apresentador do programa policial, por mais “bandido” que venha a ser? Esconde-se o fato de 83% dos aprisionados não terem se quer o primeiro grau completo, de 78% não têm assistência judiciária por falta de dinheiro pra pagar um advogado e pela deficit histórico de defensores públicos. Esconde-se o fato de que a maioria esmagadora da população carcerária é negra e pobre, o que ao nosso ver, evidencia uma “limpeza” da sociedade, guardando aquele grupo taxado como criminoso, mesmo sem julgamento, para que em situação sub-humana acabem um com os outros e deixem a cidade longe de ameaças.

Por fim, quero apenas dizer duas coisas àqueles que são contra tudo o que escrevi acima: Primeiro que podem conseguir minha adesão na defesa por penas mais duras, para isso, basta acabar com a cultura da violência que é majoritária em nossa sociedade, e fazer com que a escola, família e comunidade cumpram seu papel educativo de verdade, formando cidadãos e não mini feras prontas para se aproveitar diante da minima brecha. E segundo que, embora não abordado nesse texto, enquanto reclamar o titulo de “cristão” de seguidor portanto de um Deus que é vida e vida em abundancia para TODOS, sem qualquer discriminação, de um Deus que andou junto aos pobres e aos marginalizados, não posso sob pena da coerência da minha fé, defender a pena de morte.

*Neyl Santos é morador de Passarinho, militante do Partido dos Trabalhadores e graduando em Direito pela Faculdade Salesiana do Nordeste.
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